O Governo do Estado obteve mais uma grande vitória na Assembleia Legislativa do Espírito Santo nesta última terça-feira (7). A segunda casa de Paulo Hartung aprovou, em medida de urgência e por intermédio de mais um atropelo regimental, o Projeto de Lei 53/2017, responsável por instituir o Programa de Parcelamento de Débitos Fiscais, popularmente conhecido como Refis. Tratou-se de mais um generoso agrado de Paulo Hartung aos segmentos inadimplentes do empresariado capixaba, agrado esse que se traduz numa autêntica chancela às práticas de sonegação fiscal. A despeito da ostensiva indignidade da renegociação, dados os fins políticos aos quais ela se propõe, não constituiu a mesma uma novidade: esse já é o segundo Refis que Paulo Hartung concede somente no atual mandato, tendo sido o primeiro aprovado e prorrogado por mais um ano após o decurso do prazo originalmente prefixado.
O Programa de Parcelamento tem por base o trabalho do Auditor Fiscal. Uma vez constatado o inadimplemento por parte do contribuinte, é lavrado o auto de infração e principiam os trâmites burocráticos relativos ao processo tributário. Tornado líquido e certo o montante devido, após os julgamentos realizados em diferentes instâncias, o crédito é inscrito em dívida ativa e está apta a ser iniciada a execução fiscal, a fim de que se destine aos cofres públicos os valores ilicitamente sonegados, mediante a incidência de multas e juros voltados a coibir este tipo de conduta. Entretanto, quando o Refis é aprovado, quase sempre envolto por conchavos políticos, todo o trabalho de fiscalização efetivado pelos Auditores é anulado, posto que o programa permite a eliminação das penalizações incidentes e viabiliza o adimplemento da obrigação tributária em idênticas condições àquelas em que o pagamento seria realizado originariamente, caso não tivesse ocorrido nenhuma evasão. Na prática, o Refis incentiva a sonegação, vez que, com a ulterior adesão do contribuinte ao programa, são anistiadas as penalidades (multas e juros) decorrentes da inadimplência. Na via reversa, a renegociação desestimula o bom pagador e, a longo prazo, lesa a regular arrecadação tributária por parte do Estado.
Noutras palavras, o Refis é um prêmio ao sonegador de tributos. Já expectando se beneficiarem de programas de renegociação ulteriores, as empresas se deixam inscrever na Dívida Ativa para só adimplirem com o que devem mediante as vantagens que lhes serão oferecidas. Com isso, a existência de um capital ocioso derivado da sonegação fiscal permite uma ampliação de investimentos que lhes assegura grandes vantagens em relação às empresas que cumprem tempestivamente com suas obrigações tributárias. Por isso, o Refis tem como efeitos colaterais a constituição de nichos de concorrência desleal, penalizando o contribuinte adimplente, e a instituição da sonegação como pauta dos chamados “planejamentos tributários”. Cogita-se aqui de autêntica corrupção institucionalizada, fraudes contra os cofres públicos praticadas sob o manto da legalidade e com a chancela do Poder Público ao final da cadeia de ilicitudes e imoralidades.
O Refis instituído pelo Projeto de Lei 53/2017, proposto por Paulo Hartung e aprovado na Assembleia Legislativa, inclui a anistia, além dos juros e das multas moratórias, também das multas punitivas nas hipóteses de pagamento à vista das obrigações tributárias vencidas, independentemente do valor do débito. Ou seja, as empresas poderão pagar futuramente o que sonegaram sem qualquer prejuízo: o valor do débito será o mesmo da época da evasão e gozará de imunidade em relação à incidência de juros e de quaisquer espécies de multas. Há que se assinalar ainda que tal diretriz, adotada pelo Programa de Renegociação proposto pelo Governador, colide frontalmente com orientação já pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça, no sentido da impossibilidade de um ente federativo estender às multas punitivas a anistia prevista para as multas moratórias, exatamente para não se incentivar o inadimplemento tributário. Ancorado sobre esses fundamentos, o SINDIFISCAL-ES não deixará de tomar todas as providências judiciais cabíveis.
A concessão de mais um Refis, no mesmo mandato, fez transluzir a incoerência de Paulo Hartung: depois de se postar publicamente contra a renegociação das dívidas dos Estados junto à União, sob o argumento de que tal acordo insuflaria e incentivaria os inadimplementos, o Governador presenteia com tanta magnanimidade os sonegadores de tributos que prejudicam a arrecadação tributária no Espírito Santo. A austeridade intransigente oposta aos servidores públicos, estrangulados pelo ajuste fiscal seletivo imposto por Hartung, traveste-se da mais despudorada prodigalidade em favor de seus aliados políticos, privilegiados por fartos inventivos fiscais e generosas renegociações de débitos tributários.
O episódio tratou também de evidenciar, uma vez mais, a subserviência da Assembleia Legislativa a Paulo Hartung. A Casa, desde muito, tornou-se uma extensão orgânica do Palácio Anchieta, uma plataforma de legitimação dos interesses privatísticos que sistematicamente triunfam em terras capixabas. Essa promiscuidade entre os Poderes, flagelo da democracia e do republicanismo em nosso estado, é sintoma da ampliação desmedida dos cinturões de poder de Paulo Hartung. A aprovação do Refis e a genuflexão da Assembleia Legislativa representam mais uma derrota da sociedade capixaba. Fortalece-se o Governador e celebram o afago os sonegadores beneficiados. Mas 2018 se aproxima e os amigos do rei terão sua oportunidade de retribuir à altura: serão os mecenas dos voos mais altos que o Paulo Hartung pretende alçar.
Zenaide Maria Tomazelli Lança
Presidente do Sindifiscal-ES