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Publicado em 04/04/2017
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Um governador acima da Lei

O jornal A Gazeta noticiou, em sua edição desta terça-feira, mais um dos teratológicos projetos de lei arquitetados por Paulo Hartung. A bola da vez é a redução de até 100% das multas aplicadas a contribuintes regulares que cometeram infrações por “desconhecimento”. A minuta, que deverá ser enviada para Assembleia Legislativa nos próximos dias, prevê a revisão das penalidades impostas em razão do descumprimento de obrigações tributárias relativas a impostos como o ICMS, o IPVA e o ITCMD. O anúncio foi feito na sexta-feira, numa reunião com os fiéis e tenazes amigos do rei: sindicatos patronais e associações empresariais. Depois de se beneficiarem da aprovação do Refis 2017, o qual já previa a possibilidade de anistia de 100% de penalidades (multas punitivas), a depender das condições de pagamento, o empresariado ganha um novo presente do Governo do Estado do Espírito Santo, mais uma vez custeado pela sociedade capixaba. É o financiamento de empresas privadas com o dinheiro público.

Paulo Hartung teve a desfaçatez de justificar o projeto de lei, atentatório contra normas basilares do ordenamento jurídico brasileiro, inclusive normas de estatura constitucional, assinalando se tratar de uma reivindicação de toda a representação empresarial capixaba.

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em seu artigo 3º, prefixa com clareza meridiana a relação entre descumprimento de obrigação legal e desconhecimento. De sua leitura, recolhem-se os seguintes termos: “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”. Ou seja, o desconhecimento não é razão juridicamente apta a eximir quem quer que seja da observância e submissão a injunções legais de qualquer natureza. A proposta do Governo do Estado avilta frontalmente essa disposição elementar, sobre a qual está matrizado todo o ordenamento jurídico brasileiro. Ela atende, entretanto, um dos objetivos que comandam os projetos políticos de Paulo Hartung: o desmonte do Estado e, particularmente, do Fisco. Estimulado pelos ventos neoliberais que hoje dominam o Brasil, colocando na ordem do dia o definhamento do Estado em favor de uma marcha avassaladora do mercado, o Governador intenta sistematicamente enfraquecer o Fisco capixaba, subtraindo-lhe o poder de polícia e precarizando suas condições de trabalho, em cristalina contrariedade ao artigo 37, XXII, da Constituição Federal, que conferiu às administrações tributárias de todos os entes federativos o estatuto de atividades essenciais ao funcionamento do Estado.

Sobre a matéria da proposição legislativa, há que se sublinhar ainda, em tom de censura, serem os empresários que o Governador quer beneficiar meros recolhedores de tributos. Um olhar atento à dinâmica do mercado logo revela que quem efetivamente suporta os seus custos são os consumidores, posto que os valores dos impostos são todos embutidos no preço final das mercadorias e serviços, embora desacompanhados das opções de parcelamento ou perdão que são ulteriormente oferecidos aos empresários. Esse repasse faz com que os consumidores sejam os verdadeiros contribuintes. Noutras palavras, quer-se dizer que, quando o responsável pela entrega do imposto pago pelos cidadãos junto com o consumo de bens e serviços não cumpre com essa obrigação legal, locupleta-se ilicitamente, maximizando seus lucros às custas de um déficit imposto à arrecadação tributária e, por decorrência, à sociedade, dada a redução de receitas que poderiam ser revertidas na ampliação e aprimoramento dos serviços públicos. É esse o comportamento que Paulo Hartung está autorizando e estimulando com esse projeto de lei. É a verdadeira institucionalização da sonegação.

Não é de hoje que o Palácio Anchieta transformou-se numa plataforma de consecução dos interesses do empresariado capixaba. Ao arrepio das leis e da Constituição, Paulo Hartung segue sendo o porta-voz dos grupos economicamente dominantes do estado do Espírito Santo. Seu discurso oscila contraditoriamente entre a crise econômica e arrocho fiscal e a necessidade de conceder “favores” ao empresariado, que implicam na redução das receitas públicas sob a máscara de medidas políticas adotadas com o fim de galvanizar a economia capixaba. Ao beneficiar com tamanho descaramento os grupos econômicos que financiam suas campanhas, Hartung faz valer a máxima segundo a qual “quem paga a banda, escolhe a música”, que de longa data orienta as práticas políticas clientelistas e patrimonialistas no Brasil.

O projeto de lei que prevê o perdão das multas em razão do “desconhecimento” das obrigações tributárias violadas, além de ostensivamente ilegal, é um explícito incentivo à sonegação fiscal. Fossem as Instituições e os Poderes independentes e comprometidos com o interesse público no Espírito Santo, certamente não subsistiriam quaisquer chances de aprovação de uma proposição legislativa teratológica desse matiz, violadora de postulados legais e constitucionais tão elementares. Todavia, nessas terras subjugadas pelos caprichos e vontades privatísticos do Imperador, é sempre oportuno lembrar à vassalagem parlamentar lotada na Assembleia Legislativa que é a legalidade o parâmetro para aprovação ou rejeição das proposições levadas à Casa. A potencial aprovação desse projeto, caso se confirme, será mais uma prova de que a sociedade capixaba é hoje refém de um Governador que despudoradamente repousa acima da lei.

A DIRETORIA