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Publicado em 27/04/2017
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Artigo de opinião: A Terra do Nunca

A Terra do Nunca é uma ilha fictícia do livro Peter Pan, do escritor escocês J. M. Barrie. Seu mais conhecido residente - Peter Pan - recusou-se a crescer, sendo a Terra do Nunca muitas vezes usada como uma metáfora para o comportamento eternamente infantil, a imortalidade e o escapismo.

A despeito dessa ficção, que tem povoado o imaginário infantil desde o início do século XX, a Terra do Nunca parece ter ganhado vida no mundo real após as estarrecedoras revelações da delação da Odebrecht. Esse acontecimento descortinou os bastidores da política brasileira e a maneira podre como eram costurados os apoios e formas de captura das estruturas do Estado, de modo a viabilizar um sistema de drenagem de recursos públicos para grupos econômicos e políticos.

A Terra do Nunca é o Brasil de hoje, pois jamais se ouviu um coro tão afinado e sincronizado como o que ecoa das vozes dos políticos envoltos nas denúncias de corrupção da Lava Jato. Afinal, de forma uníssona todos vociferam: “nunca me encontrei com o delator”, “nunca recebi recursos de caixa 2”, “nunca autorizei ninguém a solicitar essas doações”, “nunca vi tamanha fantasia ou delírio”. Enfim, nunca, nunca, nunca...

Não queremos, no entanto, antecipar uma condenação dos envolvidos, pois isso, no Estado Democrático de Direito, só deve ser levado a efeito mediante o oferecimento de todas as garantias relativas ao devido processo legal. Mas, como o argumento de defesa de todos é sempre o mesmo - “nunca, nunca, nunca...” -, só podemos esperar dois resultados possíveis: ou todos serão absolvidos ou, então, condenados.

Caso haja a condenação coletiva, teremos, por certo, problemas de acomodação carcerária em face do agravamento da superlotação do sistema prisional brasileiro. Prevalecendo a “tese do nunca”, teremos não uma metáfora, mas a triste realidade de um país que se recusa a crescer moralmente, imortalizando uma indesejável cultura política cleptocrática e que busca escapar da incontornável demanda pela reescrita de sua história.

*Adson Thiago é economista e auditor fiscal da Receita Estadual

Artigo publicado originalmente no jornal A Gazeta