Fonte: Agência Pública
Uma longa mensagem com críticas aos impostos cobrados no Brasil tem circulado pelo aplicativo WhatsApp e aparecido também em páginas no Facebook. Apesar de o texto trazer algumas variações, a corrente tenta provar que “o Brasil tem a maior carga tributária do mundo”. O conteúdo lista as taxas supostamente cobradas em produtos diversos e também faz um ranking com os dez países onde mais se trabalharia para pagar tributos. Argumentos como esses têm servido para contestar o valor dos impostos no país, classificados como muito altos diante da qualidade dos serviços públicos oferecidos.
O Truco - projeto de checagem da Agência Pública - procurou a origem dos números citados, com o objetivo de analisar a veracidade da mensagem. A reportagem concluiu que a maioria dos dados está errada. Por isso, a corrente foi classificada como falsa. A autoria do texto é desconhecida, ou seja, não é atribuída a nenhum tipo de grupo ou organização. O Banco Mundial, contudo, aparece como fonte de alguns dos números usados.
A reportagem entrou em contato com a sede do Banco Mundial no Brasil para verificar o envolvimento da organização com o ranking que inicia a corrente. A entidade afirma não ter lançado nenhum estudo específico sobre o tempo que uma pessoa gasta trabalhando para pagar seus impostos recentemente. O Truco localizou, no entanto, um estudo da empresa de consultoria PwC feito em parceria com o Banco Mundial em 2015. Nesse documento aparece o dado de 2.600 horas trabalhadas para pagamento de impostos. No entanto, o número é relativo à quantidade de horas empregadas por uma empresa para o pagamento de tributos no ano de 2013. Assim, o número não se refere às horas trabalhadas pelo cidadão para o pagamento de tributos, como sugere a corrente. Trata-se de uma estimativa do gasto anual das empresas com impostos.
Além disso, o ranking citado está desatualizado, uma vez que a PwC já divulgou a edição de 2016 do estudo. O Truco verificou o total de horas empregadas pelas empresas no pagamento de impostos nos dez países citados pela corrente, utilizando o relatório mais recente da PwC, publicado no ano passado e baseado em dados de 2014. Dos dez números indicados na mensagem, apenas um está correto: o total de horas empregadas com tributos no Chade. Veja, nas tabelas a seguir, os números indicados pela corrente e os valores atualizados de acordo com o relatório.
Ranking original da mensagem –
“Os 10 países onde MAIS se trabalhou em um ano para pagar impostos” |
||
País |
Total de horas |
Posição |
Brasil |
2.600 |
1 |
Bolívia |
1.080 |
2 |
Vietnã |
941 |
3 |
Nigéria |
938 |
4 |
Venezuela |
864 |
5 |
Belarus |
798 |
6 |
Chade |
732 |
7 |
Mauritânia |
696 |
8 |
Senegal |
666 |
9 |
Ucrânia |
657 |
10 |
Fonte: Mensagem do WhatsApp
Tabela segundo a PwC –
Número de horas empregadas no pagamento de tributos por empresas no mundo |
||
País |
Total de horas |
Posição |
Brasil |
2600 |
1 |
Bolívia |
1025 |
2 |
Vietnã |
770 |
6 |
Nigéria |
908 |
3 |
Venezuela |
792 |
5 |
Belarus |
176 |
Não consta nas 10 primeiras posições |
Chade |
732 |
8 |
Mauritânia |
734 |
7 |
Senegal |
620 |
10 |
Ucrânia |
350 |
Não consta nas 10 primeiras posições |
Fonte: Relatório Paying Taxes 2016 da PwC
Outras acusações
A mensagem alega ainda que “o Brasil tem a maior carga tributária do mundo”. No entanto, a afirmação é falsa. De acordo com o mesmo relatório da PwC, a carga tributária para as empresas no Brasil fica em torno de 69,2% – esse porcentual representa o Índice Total de Impostos, dado calculado pelo estudo para cada país analisado. O número é muito inferior ao adotado por países como a Argentina, com tributação de 137%, e Eritreia e Bolívia, com tributação de 83% cada. Também é inferior ao da Colômbia, com 69,7%, e muito próximo da porcentagem de países europeus desenvolvidos, como a Itália, onde a taxa é de 64,8%, e da França, com 62,7%.
Portanto, o Brasil não é o país com a mais alta carga tributária do mundo, como afirma a mensagem. Na verdade, o país que tem a maior carga tributária do mundo é Comores, pequena república insular no Oceano Índico, onde a porcentagem é de 216%, segundo o estudo da PwC.
Também está errado dizer que a carga tributária serve para pagar “a maior corrupção do mundo”. De acordo com o Índice de Percepção de Corrupção de 2016, elaborado pela Transparência Internacional, o Brasil ocupa o 79º lugar entre 176 países. Está localizado no meio do ranking, com 40 pontos, igualmente distante tanto dos primeiros como dos últimos colocados. No levantamento de 2015, o país somou 38 pontos e ocupou o 69º lugar (quanto menor a pontuação, maior é a corrupção percebida). Logo, o Brasil está longe de ser o país mais corrupto do mundo.
Outro trecho incorreto da corrente é o que alega que “de 15% a 27,5%” do salário do brasileiro é destinado ao Imposto de Renda. Na verdade, a menor faixa do IR no Brasil é de 7,5%. Esta alíquota incide sobre rendimentos até R$ 2.826,65 mensais. Quem ganha menos do que isso está isento.
Logo depois, a mensagem informa ainda que o brasileiro se compromete com outras despesas como plano de saúde, mensalidade escolar, IPVA, IPTU, INSS e FGTS. No entanto, essas contribuições são facultativas, vinculadas à propriedade de um bem, como imóvel ou veículo, ou pagas apenas por aqueles que contratam funcionários, o que demonstra outro erro.
Carga tributária dos produtos
Em outra parte, a mensagem compartilhada no WhatsApp lista diversos produtos e a carga tributária que incidiria sobre eles no Brasil. O Truco entrou em contato com o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) para verificar os números indicados na mensagem. O instituto é reconhecido por estudar, desde sua criação, em 1992, o impacto dos tributos na atividade empresarial brasileira.
A tabela abaixo mostra a carga tributária de cada produto segundo a corrente de WhatsApp e o valor apurado pelo IBPT, atualizado em junho de 2017. Dos 60 produtos incluídos na mensagem viral, nenhum estava com a porcentagem igual à indicada pelo instituto.
PRODUTO |
CARGA TRIBUTÁRIA SEGUNDO A CORRENTE |
CARGA TRIBUTÁRIA SEGUNDO IBPT |
Carne bovina |
18,63% |
17,47% |
Frango |
17,91% |
16,80% |
Peixe |
18,02% |
34,48% |
Sal |
29,48% |
15,05% |
Trigo |
34,47% |
17,34% |
Arroz |
18,00% |
17,24% |
Óleo de soja |
37,18% |
26,05% |
Farinha |
34,47% |
17,34% |
Feijão |
18,00% |
17,24% |
Açúcar |
40,40% |
30,60% |
Leite |
33,63% |
18,65% |
Café |
36,52% |
19,98% |
Macarrão |
35,20% |
16,30% |
Margarina |
37,18% |
35,98% |
Molho tomate |
36,66% |
36,05% |
Biscoito |
38,50% |
37,30% |
Chocolate |
32,00% |
38,60% |
Ovos |
21,79% |
20,59% |
Frutas |
22,98% |
21,78% |
Álcool |
43,28% |
32,77% |
Detergente |
40,50% |
30,37% |
Sabão em pó |
42,27% |
40,80% |
Desinfetante |
37,84% |
26,05% |
Água sanitária |
37,84% |
26,05% |
Esponja de aço |
44,35% |
40,62% |
Sabonete |
42% |
37,09% |
Xampu |
52,35% |
44,20% |
Condicionador |
47,01% |
37,37% |
Desodorante |
47,25% |
37,37% |
Papel Higiênico |
40,50% |
39,94% |
Pasta de Dente |
42,00% |
34,67% |
Caneta |
48,69% |
47,49% |
Lápis |
36,19% |
34,99% |
Borracha |
44,39% |
43,19% |
Estojo |
41,53% |
40,33% |
Pastas plásticas |
41,17% |
40,09% |
Agenda |
44,39% |
43,19% |
Papel sulfite |
38,97% |
37,77% |
Livros |
13,18% |
15,52% |
Papel |
38,97% |
Não consta |
Refresco em pó |
38,32% |
36,30% |
Suco |
37,84% |
36,21% |
Água |
45,11% |
45,55% |
Cerveja |
56,00% |
55,60% |
Cachaça |
83,07% |
81,87% |
Refrigerante |
47,00% |
46,47% |
Sapatos |
37,37% |
36,17% |
Roupas |
37,84% |
34,67% |
Computador |
38,00% |
33,62% |
Telefone Celular |
41,00% |
39,80% |
Ventilador |
43,16% |
34,30% |
Liquidificador |
43,64% |
43,54% |
Refrigerador |
47,06% |
36,98% |
Microondas |
56,99% |
54,98% |
Tijolo |
34,23% |
34,17% |
Telha |
34,47% |
33,95% |
Móveis |
37,56% |
Não consta |
Tinta |
45,77% |
36,17% |
Casa popular |
49,02% |
48,30% |
Mensalidade Escolar |
37,68% |
26,32% |
Fonte: IBPT
Apesar de nenhum dos dados de carga tributária indicados pela corrente estar correto, de acordo com os últimos levantamentos do IBPT, muitos deles chegam perto dos indicados pelo instituto, o que demonstra que a origem da corrente pode ser um compilado de dados desatualizados. Dois produtos genéricos citados na corrente, papel e móveis, não constam na apuração do IBPT.
Conclusão
Não foi possível localizar a origem de todos os dados indicados na mensagem que se espalhou pelo WhatsApp. No entanto, fontes como PwC e IBPT mostram erros nos números citados na corrente. Além disso, a mensagem inclui informações incorretas acerca do Imposto de Renda, da carga tributária brasileira e do nível de corrupção em relação a outros países do mundo. Diante das evidências encontradas pelo Truco, a corrente foi classificada como falsa, já que a análise dos dados e de outras fontes comprova diversos erros do texto.
Corrente no WhatsApp sobre impostos no Brasil. Reprodução.