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Publicado em 03/08/2017
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Corrente no WhatsApp usa dados errados para criticar impostos

Fonte: Agência Pública

Uma longa mensagem com críticas aos impostos cobrados no Brasil tem circulado pelo aplicativo WhatsApp e aparecido também em páginas no Facebook. Apesar de o texto trazer algumas variações, a corrente tenta provar que “o Brasil tem a maior carga tributária do mundo”. O conteúdo lista as taxas supostamente cobradas em produtos diversos e também faz um ranking com os dez países onde mais se trabalharia para pagar tributos. Argumentos como esses têm servido para contestar o valor dos impostos no país, classificados como muito altos diante da qualidade dos serviços públicos oferecidos.

O Truco - projeto de checagem da Agência Pública - procurou a origem dos números citados, com o objetivo de analisar a veracidade da mensagem. A reportagem concluiu que a maioria dos dados está errada. Por isso, a corrente foi classificada como falsa. A autoria do texto é desconhecida, ou seja, não é atribuída a nenhum tipo de grupo ou organização. O Banco Mundial, contudo, aparece como fonte de alguns dos números usados.

A reportagem entrou em contato com a sede do Banco Mundial no Brasil para verificar o envolvimento da organização com o ranking que inicia a corrente. A entidade afirma não ter lançado nenhum estudo específico sobre o tempo que uma pessoa gasta trabalhando para pagar seus impostos recentemente. O Truco localizou, no entanto, um estudo da empresa de consultoria PwC feito em parceria com o Banco Mundial em 2015. Nesse documento aparece o dado de 2.600 horas trabalhadas para pagamento de impostos. No entanto, o número é relativo à quantidade de horas empregadas por uma empresa para o pagamento de tributos no ano de 2013. Assim, o número não se refere às horas trabalhadas pelo cidadão para o pagamento de tributos, como sugere a corrente. Trata-se de uma estimativa do gasto anual das empresas com impostos.

Além disso, o ranking citado está desatualizado, uma vez que a PwC já divulgou a edição de 2016 do estudo. O Truco verificou o total de horas empregadas pelas empresas no pagamento de impostos nos dez países citados pela corrente, utilizando o relatório mais recente da PwC, publicado no ano passado e baseado em dados de 2014. Dos dez números indicados na mensagem, apenas um está correto: o total de horas empregadas com tributos no Chade. Veja, nas tabelas a seguir, os números indicados pela corrente e os valores atualizados de acordo com o relatório.

Ranking original da mensagem –

 

“Os 10 países onde MAIS se trabalhou em um ano para pagar impostos”

País

Total de horas

Posição

Brasil

2.600

1

Bolívia

1.080

2

Vietnã

941

3

Nigéria

938

4

Venezuela

864

5

Belarus

798

6

Chade

732

7

Mauritânia

696

8

Senegal

666

9

Ucrânia

657

10

Fonte: Mensagem do WhatsApp

 

Tabela segundo a PwC –

 

Número de horas empregadas no pagamento de tributos por empresas no mundo

País

Total de horas

Posição

Brasil

2600

1

Bolívia

1025

2

Vietnã

770

6

Nigéria

908

3

Venezuela

792

5

Belarus

176

Não consta nas 10 primeiras posições

Chade

732

8

Mauritânia

734

7

Senegal

620

10

Ucrânia

350

Não consta nas 10 primeiras posições

Fonte: Relatório Paying Taxes 2016 da PwC

Outras acusações

A mensagem alega ainda que “o Brasil tem a maior carga tributária do mundo”. No entanto, a afirmação é falsa. De acordo com o mesmo relatório da PwC, a carga tributária para as empresas no Brasil fica em torno de 69,2% – esse porcentual representa o Índice Total de Impostos, dado calculado pelo estudo para cada país analisado. O número é muito inferior ao adotado por países como a Argentina, com tributação de 137%, e Eritreia e Bolívia, com tributação de 83% cada. Também é inferior ao da Colômbia, com 69,7%, e muito próximo da porcentagem de países europeus desenvolvidos, como a Itália, onde a taxa é de 64,8%, e da França, com 62,7%.

Portanto, o Brasil não é o país com a mais alta carga tributária do mundo, como afirma a mensagem. Na verdade, o país que tem a maior carga tributária do mundo é Comores, pequena república insular no Oceano Índico, onde a porcentagem é de 216%, segundo o estudo da PwC.

Também está errado dizer que a carga tributária serve para pagar “a maior corrupção do mundo”. De acordo com o Índice de Percepção de Corrupção de 2016, elaborado pela Transparência Internacional, o Brasil ocupa o 79º lugar entre 176 países. Está localizado no meio do ranking, com 40 pontos, igualmente distante tanto dos primeiros como dos últimos colocados. No levantamento de 2015, o país somou 38 pontos e ocupou o 69º lugar (quanto menor a pontuação, maior é a corrupção percebida). Logo, o Brasil está longe de ser o país mais corrupto do mundo.

Outro trecho incorreto da corrente é o que alega que “de 15% a 27,5%” do salário do brasileiro é destinado ao Imposto de Renda. Na verdade, a menor faixa do IR no Brasil é de 7,5%. Esta alíquota incide sobre rendimentos até R$ 2.826,65 mensais. Quem ganha menos do que isso está isento.

Logo depois, a mensagem informa ainda que o brasileiro se compromete com outras despesas como plano de saúde, mensalidade escolar, IPVA, IPTU, INSS e FGTS. No entanto, essas contribuições são facultativas, vinculadas à propriedade de um bem, como imóvel ou veículo, ou pagas apenas por aqueles que contratam funcionários, o que demonstra outro erro.

Carga tributária dos produtos

Em outra parte, a mensagem compartilhada no WhatsApp lista diversos produtos e a carga tributária que incidiria sobre eles no Brasil. O Truco entrou em contato com o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) para verificar os números indicados na mensagem. O instituto é reconhecido por estudar, desde sua criação, em 1992, o impacto dos tributos na atividade empresarial brasileira.

A tabela abaixo mostra a carga tributária de cada produto segundo a corrente de WhatsApp e o valor apurado pelo IBPT, atualizado em junho de 2017. Dos 60 produtos incluídos na mensagem viral, nenhum estava com a porcentagem igual à indicada pelo instituto.

PRODUTO

CARGA TRIBUTÁRIA SEGUNDO A CORRENTE

CARGA TRIBUTÁRIA SEGUNDO IBPT

Carne bovina

18,63%

17,47%

Frango

17,91%

16,80%

Peixe

18,02%

34,48%

Sal

29,48%

15,05%

Trigo

34,47%

17,34%

Arroz

18,00%

17,24%

Óleo de soja

37,18%

26,05%

Farinha

34,47%

17,34%

Feijão

18,00%

17,24%

Açúcar

40,40%

30,60%

Leite

33,63%

18,65%

Café

36,52%

19,98%

Macarrão

35,20%

16,30%

Margarina

37,18%

35,98%

Molho tomate

36,66%

36,05%

Biscoito

38,50%

37,30%

Chocolate

32,00%

38,60%

Ovos

21,79%

20,59%

Frutas

22,98%

21,78%

Álcool

43,28%

32,77%

Detergente

40,50%

30,37%

Sabão em pó

42,27%

40,80%

Desinfetante

37,84%

26,05%

Água sanitária

37,84%

26,05%

Esponja de aço

44,35%

40,62%

Sabonete

42%

37,09%

Xampu

52,35%

44,20%

Condicionador

47,01%

37,37%

Desodorante

47,25%

37,37%

Papel Higiênico

40,50%

39,94%

Pasta de Dente

42,00%

34,67%

Caneta

48,69%

47,49%

Lápis

36,19%

34,99%

Borracha

44,39%

43,19%

Estojo

41,53%

40,33%

Pastas plásticas

41,17%

40,09%

Agenda

44,39%

43,19%

Papel sulfite

38,97%

37,77%

Livros

13,18%

15,52%

Papel

38,97%

Não consta

Refresco em pó

38,32%

36,30%

Suco

37,84%

36,21%

Água

45,11%

45,55%

Cerveja

56,00%

55,60%

Cachaça

83,07%

81,87%

Refrigerante

47,00%

46,47%

Sapatos

37,37%

36,17%

Roupas

37,84%

34,67%

Computador

38,00%

33,62%

Telefone Celular

41,00%

39,80%

Ventilador

43,16%

34,30%

Liquidificador

43,64%

43,54%

Refrigerador

47,06%

36,98%

Microondas

56,99%

54,98%

Tijolo

34,23%

34,17%

Telha

34,47%

33,95%

Móveis

37,56%

Não consta

Tinta

45,77%

36,17%

Casa popular

49,02%

48,30%

Mensalidade Escolar

37,68%

26,32%

Fonte: IBPT

Apesar de nenhum dos dados de carga tributária indicados pela corrente estar correto, de acordo com os últimos levantamentos do IBPT, muitos deles chegam perto dos indicados pelo instituto, o que demonstra que a origem da corrente pode ser um compilado de dados desatualizados. Dois produtos genéricos citados na corrente, papel e móveis, não constam na apuração do IBPT.

Conclusão

Não foi possível localizar a origem de todos os dados indicados na mensagem que se espalhou pelo WhatsApp. No entanto, fontes como PwC e IBPT mostram erros nos números citados na corrente. Além disso, a mensagem inclui informações incorretas acerca do Imposto de Renda, da carga tributária brasileira e do nível de corrupção em relação a outros países do mundo. Diante das evidências encontradas pelo Truco, a corrente foi classificada como falsa, já que a análise dos dados e de outras fontes comprova diversos erros do texto.

Corrente no WhatsApp sobre impostos no Brasil.

Corrente no WhatsApp sobre impostos no Brasil. Reprodução.