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Publicado em 22/08/2017
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A crise orçamentária e o servidor público

Fonte: Pública Central do Servidor

O governo federal está preparando um pacote de medidas que afetará diretamente os servidores públicos e quem tem planos de ingressar no setor público no futuro. Dois exemplos: o adiamento dos reajustes salariais de 2018 para 2019 para diversas categorias e o corte de benefícios básicos como alimentação, transporte e assistência médica. Quem não acompanha o dia a dia da política nacional e se depara com o governo fortemente empenhado em cortar gastos pode ser levado a crer que ele realmente se preocupa com gestão de orçamento e da economia. Caro leitor, não se engane.

Esse mesmo governo que quer tirar benefícios básicos dos servidores com a justificativa de economizar é aquele que, em julho passado, liberou R$ 1,8 bilhão em emendas parlamentares para livrar o presidente Michel Temer (PMDB) da investigação por corrupção passiva que poderia levá-lo ao mesmo destino de sua antecessora: o impeachment.

A liberação desses recursos funcionou, na prática, como moeda de troca entre o Planalto e o Congresso Federal. Apesar de imoral (talvez não para os parlamentares, mas com certeza para a população), esta prática já está banalizada entre os governantes. A ex-presidente Dilma Rousseff (PT) fez o mesmo antes de ser retirada do cargo. No caso dela não deu certo. Já Michel Temer, que liberou mais recursos que a ex-presidente, se livrou da investigação e deve permanecer no cargo até o final de 2018, caso não seja reeleito (o que não deve ocorrer, pois seus índices de rejeição ultrapassam os 90% e ele sequer deverá ser candidato).

Um exemplo desse tipo de negociação é a recém-editada Medida Provisória do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), vivamente defendida pela bancada ruralista ao longo dos últimos meses e que acarretará renúncia de R$ 5,44 bilhões nos próximos anos. Ainda sobre renúncia fiscal, neste ano o governo já perdoou dívidas bilionárias de grandes empresas em busca de apoio para aprovar a reforma da Previdência Social (PEC 287). São bilhões de reais que deixam de entrar nos cofres públicos e poderiam diminuir o déficit das contas públicas ou até mesmo financiar programas sociais necessários aos mais pobres. Porém, o interesse de poucos se sobressai ao que é melhor para o país.

Os problemas não param aí. Há, também, a questionável reforma política, que une partidos da base aliada e da oposição. Dentre as propostas, chama atenção a criação do chamado Fundo Especial de Financiamento da Democracia, destinado às campanhas eleitorais.

O volume de recursos divulgado para as eleições de 2018 é estratosférico: R$ 3,6 bilhões. Como não poderia deixar de ser, esse montante sairá dos nossos bolsos. Porém, considerando que o valor destinado representa 0,5% da receita líquida do país e que a mesma fechou em R$ 1,109 trilhão em 2016 (suponho que neste ano o resultado seja parecido), é possível que o fundo eleitoral alcance o dobro do valor previsto originariamente. Isso quer dizer que os partidos terão à disposição cerca de R$ 6 bilhões. É inconcebível e irônico que um povo que pouco confia nos partidos políticos tenha que retirar do próprio bolso essa verba astronômica que visa a manutenção dos mesmos grupos.

Fora tudo isso, o governo ainda está propondo o Programa de Demissão Voluntária de servidores públicos. Pessoalmente, acredito no fracasso do PDV. Em primeiro lugar, apenas os que são muito capacitados devem aderir, pois são os que têm um pouco mais de chances de conseguir emprego na iniciativa privada (o que é difícil hoje em dia, considerando são mais de 13 milhões de desempregados). Com a debandada de bons servidores, o Estado perde em qualidade. Os demais devem permanecer em seus cargos. Afinal, pouco adianta receber mais agora correndo o risco de ficar sem renda no futuro.

A dura realidade é que não faltam recursos para salvar a pele de políticos implicados com a Justiça. Não faltam recursos para financiar campanhas políticas (longe de ser prioridade). Empresas com dívidas são perdoadas em benefício de poucos. Mas, segundo o governo, faltam recursos para pagar o vale transporte e o vale alimentação dos servidores. Isso é, no mínimo, incoerente.

Antes de prejudicar os trabalhadores, o governo deveria adotar medidas mais importantes e que, com certeza, trariam economia aos cofres públicos. Três exemplos que saltam aos olhos: o Executivo deveria cortar gastos com publicidade, carros, viagens, além de reduzir o número de Ministérios. O Legislativo poderia cortar a quantidade excessiva de assessores disponíveis para cada parlamentar (25 para deputados e 80 para senadores, que custam R$ 10 milhões por ano), os recursos utilizados para financiar viagens, correspondências, moradias e até planos e saúde ilimitados para os familiares de parlamentares. Já o Judiciário poderia cortar os dois meses de férias e o auxílio moradia concedido até para aqueles que têm residência no local de trabalho, que desde 2015 custaram R$ 4 bilhões aos cofres públicos, entre outros penduricalhos que ultrapassam o teto salarial. Inclusive, a nata do Judiciário que recebe acima do teto é uma das responsáveis pela imagem indevida que foi, ao longo dos anos, imputada aos servidores como um todo. Há quem realmente acredite que todos os funcionários públicos recebem salários astronômicos como os dessa privilegiada categoria, o que não é verdade. Além desses gastos, juntos os três poderes gastam R$ 3,47 bilhões com cargos de confiança e comissionados, segundo o TCU.

O Brasil sequer está na média dos demais países em termos de quantidade de servidores na ativa. Segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a cada 100 trabalhadores brasileiros apenas 12 são servidores públicos. Já nos países mais desenvolvidos, o percentual costuma ser quase o dobro (21 funcionários a cada 100 empregados). Países nórdicos, como Dinamarca e Noruega, têm pelo menos um terço da população economicamente ativa empregada no serviço público.

O problema, além da corrupção generalizada, é a falta de gestão. O governo desperdiça rios de dinheiro, aprova teto que ele mesmo não tem a capacidade de respeitar (PEC 55) e, depois, tenta jogar a culpa para os servidores públicos, como se o funcionalismo fosse o grande responsável pelo Brasil passar por essa crise orçamentária sem precedentes.

Se o governo é o principal culpado, por que cabe ao servidor pagar essa conta?