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Publicado em 04/05/2018
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Impunidade e questões tributárias travam combate à sonegação de combustíveis

Texto: Luciano Pádua/Jota
Foto: Andreas/Pixabay

O Brasil perde anualmente R$ 4,8 bilhões por causa de fraudes e sonegação fiscal no setor de combustíveis. Para reverter esse quadro, e robustecer os cofres públicos em tempos de crise fiscal, é preciso mudar radicalmente os cenários de regulação, tributação e enfrentamento da fraude e da sonegação ao produto.

Somadas, empresas do setor têm inscritos R$ 60 bilhões na Dívida Ativa da União, com taxa de recuperação muito baixa. Tudo se soma à percepção de impunidade frequente, quando devedores contumazes acabam deixando de quitar seus débitos e, ao não pagar os impostos, ganham vantagens competitivas em relação a concorrentes honestos.

Esse foi o diagnóstico de empresas do setor de combustíveis e agentes públicos que atuam na fiscalização às fraudes e à sonegação que participaram do Fórum Estadão – Combate a Fraude e Sonegação nesta quinta-feira (3) em São Paulo, com apoio do Sinafresp (Sindicato dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo).

“Devedores  contumazes aprenderam que é muito fácil não pagar tributos de forma sistemática”, disse Hélvio Rebeschini, diretor da Associação Nacional das Distribuidoras de Combustíveis, Lubrificantes, Logística e Conveniência (Plural). “Nada vai resolver ou mudar se não tivermos a impunidade sendo repreendida e esse cenário de tributação e regulação alterado.”

Devedores contumazes são aqueles que fazem da inadimplência fiscal um meio de vida. Deixam de pagar os impostos não por problema de caixa, mas para vender combustível abaixo do preço de mercado, em detrimento da concorrência.

Para o país, preciosos recursos que poderiam ser utilizados em serviços públicos são sonegados. Nos estados, por exemplo, o setor de combustíveis é a maior fonte de arrecadação. No ano passado, a área recolheu aos cofres públicos R$ 134 bilhões.

Segundo Redeschini, um dos pleitos do setor é implantar a monofasia tributária. Em outras palavras, a cobrança de um valor único em todo o território nacional e concentrado em um único elo da cadeia. A ideia é evitar diferentes taxas de ICMS, por exemplo, estabelecidas por dois estados.

Além disso, alegou que o Judiciário, por meio da Súmula 70 do Supremo Tribunal Federal (STF), tem permitido a perenização de maus empresários de combustíveis. O entendimento diz que não se pode interditar um estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo. “É preciso flexibilizar esse ponto, 90% dos devedores contumazes utilizaram a súmula em suas defesas”, afirmou.

Do ponto de vista legislativo, a associação defende a aprovação do PLS 284, de autoria da senadora Ana Amélia (PP-RS), que regulamenta o artigo 146 da Constituição e permite enquadrar em regimes especiais os devedores contumazes.

Outra forma de cercear as fraudes e os incentivos para o cometimento de crimes seria cassar a inscrição estadual de uma empresa fraudadora quando for comprovado o dolo.

Crime tributário e econômico

Segundo o delegado Victor Hugo da Costa Miranda, o crime de sonegação não é apenas de ordem tributária, mas também é de ordem econômica. “Estamos diante de um mercado cujo produto é uma commodity. A diferença está no preço. Se há uma vantagem competitiva de 30% no preço, o concorrente terá muita dificuldade”, afirmou. “Além do tributo que o sonegador deixa de pagar, temos outras empresas quebrando por causa da ação predatória deste criminoso.”

Ele conta que a Operação Rosa dos Ventos, deflagrada em agosto de 2017, investigou uma organização criminosa que deixou de pagar R$ 5 bilhões em impostos por meio de empresas de fachada para comercializar combustíveis ao longo de vários anos. “É um dinheiro que poderia ser investido nos serviços públicos”, disse.

A subprocuradora-geral do estado de São Paulo (PGE-SP), Ana Lucia Oliveira Dias, concorda com a noção de crime econômico à sonegação. Para combater essa distorção no mercado e nas contas públicas, a PGE tem utilizado tecnologia e tentado racionalizar o estoque de casos.

Segundo ela, foram desajuizadas 500 mil ações da Justiça para reduzir pela metade o estoque das ações nos escaninhos de procuradores. As cobranças passaram a ser feitas por meio de protestos. “Isso permite a qualificação da atuação. Em São Paulo, são 12 mil novas dívidas por dia. Não estamos ingressando com isenções fiscais em casos acima de R$ 35 mil. O índice de recuperação é de 2,9%”, afirmou.

A mesma lógica tem se aplicado ao trabalho da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Segundo o procurador da Fazenda Rogério Campos, é preciso aproveitar as ferramentas de tecnologia. “Só combatemos a sonegação fiscal com informação decorrente de Inteligência Artificial. É impossível atingir organizações criminosas de forma artesanal, um por um”, disse.

Uma das formas de combater esses crimes é permitir a cassação da inscrição estadual dos devedores contumazes. O secretário de Fazenda de São Paulo, Luiz Claudio de Carvalho, destacou a aprovação da Lei 1.320/18 na Assembleia Legislativa do estado.

Na lei, se definiu o devedor contumaz e os regimes especiais que podem ser aplicados a este tipo de contribuinte. “O devedor contumaz é uma figura diferente do devedor que tropeçou e não conseguiu pagar”, analisou.

Além disso, avalia, a lei permitirá um novo paradigma da relação entre o Fisco e a sociedade. o setor de combustíveis representa 13% da arrecadação paulista. “Passamos a classificar os contribuintes com perfil de risco. A ideia é identificar os bons contribuintes e fazer um ‘cadastro positivo’ deles”, disse.

Impunidade e combate a fraude e sonegação

Em relação à impunidade, o delegado Miranda destacou que todo o sistema precisa ser reformado. Há vários entraves, em sua avaliação, para se chegar à punição de fraudadores e sonegadores do setor, como o baixo efetivo de órgãos de fiscalização, o excesso de recursos administrativos e judiciais e a sobrecarga nas Varas Públicas do Judiciário.

No caso da operação Rosa dos Ventos, a PF comprovou que as empresas investigadas simulavam dívidas com outras empresas. Assim, antes de pagar os débitos fiscais ao Estado, alegavam que era preciso quitar a dívida com essas empresas de fachada. Ao comprovar a fraude, a prisão dos envolvidos foi decretada. “Até que a questão foi para o STF, que disse que se tratava de mero crime fiscal”, contou.

Para o diretor da ANP, Aurélio Amaral, reforçar a articulação entre os órgãos fiscalizadores é uma das soluções. “Só isso cria uma força de trabalho capaz de fechar as portas”, avaliou.

Um problema grave é que a sonegação se tornou um crime acessório no setor de combustíveis, opina o desembargador Fernando Bartoletti, da Associação Paulista dos Magistrados (Apamagis). “O que se tem hoje é fraude, é o crime organizado se apropriando”, disse. “É preciso medidas administrativas de fiscalização, como em São Paulo, que permite a cassação da inscrição estadual.”

O magistrado também criticou brechas legais, que geram insegurança jurídica. “A legislação mal feita gera brechas que fazem com que as questões abem no Judiciário. E até o assunto se unificar no STF leva anos”, ponderou.

Na mesma toada, o procurador da Fazenda Nacional Rogério Campos sugere uma reestruturação do sistema tributário para diminuir as brechas. Ele avalia que há uma “voracidade legislativa” de atacar pontualmente as fraudes quando acontecem, o que acaba tornando mais complexo o sistema. A ideia seria simplificar o sistema e endurecer as penas para o devedor contumaz.